A MÚSICA TEM VIDA PRÓPRIA II - A “DESBONITIZAÇÃO”
– Fiquei encabulado com uns 2 amigos que me disseram não gostar mais das
músicas de Chico Buarque, por causa da posição política de esquerda que ele
professou. Digo isso porque eram, há muito, admiradores dele e, um, inclusive,
músico também. Confesso que tenho dificuldade em entender qual é a lógica de
que a arquitetura de Brasília possa tornar-se feia porque Niemeyer declarou-se
comunista. Ou que os livros de Jorge Amado percam a magia e brasilidade por igual
motivo! -- Enfim, amigo, quer dizer que
a música Gente Humilde, que eu já o vi cantar com olhos brilhando de emoção,
ficou feia agora, porque Chico é um dos seus autores? E aquela versão dele pra
Iolanda, que tocou no seu casamento?! Seria
tipo um fenômeno de desbonitização que você está criando com músicas que já lhe
soaram belas?... No entanto, permita-me argumentar mais uma vez que as músicas
e outras obras artísticas adquirem vida própria depois que os artistas as criam
e compartilham no mundo. Elas, criaturas que são, caminham, conhecem pessoas,
cativam, chegam a lugares em que o artista que a criou nunca pisou ou talvez
nem pisará em vida.
Eu soube de discos meus na Europa, na Ásia e, no entanto, nunca tive o prazer de ir lá, como eles. Na verdade,
quando uma obra artística emociona alguém, ela só está sendo instrumento para
despertar nele uma beleza ou sentimento já existente no potencial de sua
própria essência, da sua sensibilidade.
Às vezes, uma pessoa consegue interpretar
e retirar outras belezas de um texto, além do que o seu próprio autor imaginou
ao criá-lo. Portanto, meus caros amigos, com essa tal desbonitização, vocês só
vão conseguir, no máximo, desbonitizar um pedacinho de vocês próprios ou de
boas lembranças. Façam isso não, porque não vale a pena abrir mão da poesia do
Chico com esse neologismo precário. Juntemo-nos na defesa da liberdade de
opinião, cada qual com a sua, e afastemos de nós esse cálice cheio de licor de
retrocesso. E que vivam as coisas bem feitas como as obras de Niemeyer, Jorge
Amado, Chico Buarque e outros mestres da arte!
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