quarta-feira, 27 de maio de 2020


   POR UM QUIABO
                     D. Arbués

         De certa feita, uma amiga quis me servir um quiabo à mesa, o que eu prontamente agradeci mas recusei. Pouco depois, constatei a expressão de prazer com que ela saboreava aquele mesmo alimento que eu rejeitara. Foi então que comecei a pensar que desse mundo não se leva nada e que uma das riquezas da vida é o prazer que se consegue ter com todos os nossos sentidos, inclusive o gustativo, o paladar.
         Como tínhamos muita afinidade, concluí que ela gostava basicamente das mesmas coisas que eu gostava, e ainda tinha a mais o gosto pelo quiabo. Portanto, podia mesmo ser mais rica do que eu na vida por um quiabo!
         A partir daí me esforcei para comer e gostar do máximo de frutas, legumes ou verduras que ia conhecendo. E, naquele dia, descobri que o problema de eu não gostar de quiabo era muito mais meu do que dele. Ou melhor, totalmente meu.

quinta-feira, 7 de maio de 2020

AFLUENTE - ENCONTRO DAS ÁGUAS


CULTURA E APOIO CULTURAL


PENSAR, PENSAR – “Fim da Lei Rouanet causaria apagão em Orquestras, Museus e Musicais no país” – Logo cedo me deparei com essa manchete num site e, me veio a imagem de muitas pessoas reagindo com um “mas quem precisa mesmo dessas coisas?!”. Sim, em função de discussões recentes e envolvimento político, muita gente parece que está voltando a entender cultura como coisa supérflua. Mas, será que, se pensarmos um pouco, isso procede, mesmo? Eu diria: Meu amigo, amiga, vamos imaginar a vida de cada um de nós sem a cultura? É simples: Vamos imaginar como seria nossa vida tirando, para começar, as canções de ninar, estórias infantis como Os 3 Porquinhos, Pinóquio, Chapeuzinho etc. Tiremos também as brincadeiras como amarelinha, bolas, bonecas, além do folclore e causos contados da região, lendas, e dos próprios causos e tradições de cada família. Ah, tiremos os gibis, revistas, traquinagens, fantasias, livros, idas a cinemas, circos, teatros, gastronomia... tiremos as tantas novelas, os programas de rádio ou TV, além de bailes, festas e aquelas tardinhas ou noites curtindo música ao vivo ou eletrônica em barzinhos ou boates. Conclusão: tirando a cultura de nossa vida, certamente sobraria alguém trabalhando horas por dia sim, mas, sem senso de humor, sem senso crítico e robotizado, pois quase tudo que vivemos antes e depois do trabalho envolve cultura, tira o estresse e dá melhor sentido à nossa própria vida.
Agora, vamos voltar à Lei Rouanet. É preciso lembrar que a lei é muito maior do que esses casos de favorecimentos a alguns artistas, que devem mesmo ser condenados com veemência. A Rouanet atua no apoio a muitos dos itens elencados acima, com livros, produções de programas, oficinas formadoras, registro e resgates da história, grupos culturais como alguns dos que visitam doentes em hospitais etc. Se lembrarmos que muitas das enfermidades modernas são psicossomáticas, decorrem da soma de fatores psicológicos e de estresse, por exemplo, temos que admitir que a vida recheada com boa cultura evita muito desses males e seus enormes gastos pessoais ou nacionais. Portanto, é muito melhor que se adeque, fiscalize com rigor a aplicação da Lei e sejam cortadas as mamatas, do que acabar com ela. Finalmente, é preciso entender a lógica, o processo de longos anos que deram sentido e embasaram o surgimento das Leis de incentivo à cultura pois, só assim, poderemos mensurar o tamanho do prejuízo que a extinção delas traria às pessoas e ao país.

O RIO ARAGUAIA


TEMAS DIVERSOS 1






domingo, 3 de maio de 2020

A DESBONITIZAÇÃO


A MÚSICA TEM VIDA PRÓPRIA II - A “DESBONITIZAÇÃO” – Fiquei encabulado com uns 2 amigos que me disseram não gostar mais das músicas de Chico Buarque, por causa da posição política de esquerda que ele professou. Digo isso porque eram, há muito, admiradores dele e, um, inclusive, músico também. Confesso que tenho dificuldade em entender qual é a lógica de que a arquitetura de Brasília possa tornar-se feia porque Niemeyer declarou-se comunista. Ou que os livros de Jorge Amado percam a magia e brasilidade por igual motivo!   -- Enfim, amigo, quer dizer que a música Gente Humilde, que eu já o vi cantar com olhos brilhando de emoção, ficou feia agora, porque Chico é um dos seus autores? E aquela versão dele pra Iolanda, que tocou no seu casamento?!  Seria tipo um fenômeno de desbonitização que você está criando com músicas que já lhe soaram belas?... No entanto, permita-me argumentar mais uma vez que as músicas e outras obras artísticas adquirem vida própria depois que os artistas as criam e compartilham no mundo. Elas, criaturas que são, caminham, conhecem pessoas, cativam, chegam a lugares em que o artista que a criou nunca pisou ou talvez nem pisará em vida.
Eu soube de discos meus na Europa, na Ásia e, no entanto, nunca tive o prazer de ir lá, como eles. Na verdade, quando uma obra artística emociona alguém, ela só está sendo instrumento para despertar nele uma beleza ou sentimento já existente no potencial de sua própria essência, da sua sensibilidade.
Às vezes, uma pessoa consegue interpretar e retirar outras belezas de um texto, além do que o seu próprio autor imaginou ao criá-lo. Portanto, meus caros amigos, com essa tal desbonitização, vocês só vão conseguir, no máximo, desbonitizar um pedacinho de vocês próprios ou de boas lembranças. Façam isso não, porque não vale a pena abrir mão da poesia do Chico com esse neologismo precário. Juntemo-nos na defesa da liberdade de opinião, cada qual com a sua, e afastemos de nós esse cálice cheio de licor de retrocesso. E que vivam as coisas bem feitas como as obras de Niemeyer, Jorge Amado, Chico Buarque e outros mestres da arte!