domingo, 19 de julho de 2020

AS TEMPESTADES


                                                       AS TEMPESTADES
                                                           D. Arbués

        Estive pensando e tentando entender um certo fascínio que tenho pelas tempestades. Talvez isso tenha vindo das ocasiões de chuva forte, quando meu pai ou minha mãe mandava que entrássemos pra debaixo da grande mesa de refeições da família, que virava algo como um bunker, no meio da enorme sala de piso de tijolos assentados no centro da casa. Como éramos em muitos irmãos, essas ocasiões me davam uma sensação muito mais de cumplicidade, excitação e diversão do que de medo. Os clarões de raios e barulhos de trovões se misturavam às conversas que acabávamos inventando embaixo da mesa.
        Talvez isso tenha vindo das brincadeiras de soltar barquinhos de papel na enxurrada com os outros meninos quando a chuva terminava. Lembro-me de irmos seguindo os barquinhos, dentro da enxurrada, com sapatos de borracha que esguichavam a água turva, amarelada, pelos furinhos que tinham na parte de cima dos dedos. Era como se fosse um chuveiro pra cima. Divertido, mas deixava um odor terrível quando secava. 
        Talvez isso venha também dos banhos gelados que meu pai deixava que tomássemos na água da própria chuva, que ficava por um bom tempo escorrendo generosa na bica do telhado de casa, no finzinho de cada tormenta, tão logo cessassem os raios.
        A verdade é que, mais à frente, cheguei à conclusão de que a tempestade era uma senhora sisuda, mas justa, que igualava a todas as famílias, pobres, remediadas ou ricas, caindo sobre suas casas com a mesma intensidade, moderação ou fúria, sem exceção. Ela, volta e meia, vem lembrar-nos claramente da nossa pequeneza humana, diante do poder da natureza e do universo. Traz sinais e mensagens das forças e energias superiores.
        Por isso também, quero crer que esse certo fascínio nasceu da ingenuidade de um menino de família comum, mas que foi ensinado a conviver com as tempestades e a ver a natureza como aliada, desde que respeitada ou procurada na forma e momento certos.