domingo, 2 de agosto de 2020

BEATLES - A ARTE EVOLUI


      BEATLES – A ARTE EVOLUI
                                         D. Arbués 
 
         Ainda aos 4 anos, fui morar em Anápolis, levado pela minha família. Menino de cidade pequena, pude conhecer na chamada Manchester goiana, muitas coisas totalmente novas pra mim, como asfalto, charretes, elevadores, programas locais de rádios e TVs e, neles, músicas de estilos que eu nem conhecia. Dentre muitos, como Elvis Presley, Trini Lopez e mais sucessos dos anos 60, o som das músicas dos Beatles foi o que mais me encantou. Lembro-me de ficar deslumbrado com a energia de Twist and Shout, She loves you, I Want to hold your hand e, principalmente, com o som de guitarra de Words of Love, que me fazia parar para ficar ouvindo em frente a casas ou lojas aonde estivesse tocando.
         Seguindo minha crescente paixão por música, ainda conheci parte de movimentos como o da jovem guarda, tropicalismo, anos de ouro da música italiana, surgimento de novos grupos e cantores em todas as partes do mundo, mas sempre seguindo o meu grupo preferido que virou o fenômeno mundial The Beatles. Enquanto eu aprendia os primeiros acordes de violão, me impressionou muito a melodia inovadora de Help, além dos contracantos e arranjos das vozes que começavam a buscar novas estruturas melódicas (embora eu só viesse a poder analisar assim mais tarde). Daí por diante, o quarteto seguiu uma carreira fantasticamente rica, conseguindo nos levar por caminhos criativos, experimentais, que abarcaram do popular ao clássico, com sucesso arrebatador nos cinco continentes. Para mim, justamente aí mora o mérito dos Beatles, não se acomodando, tendo sede de conhecimento e, inclusive, mantendo suas procuras individuais que acabaram por separá-los.
        Ouvindo toda a obra dos Beatles, eu, particularmente, consigo conceber sementes de muito do que veio a acontecer depois no mundo musical. Sementes de Pink Floyd, Queen, Bread, Supertramp, Nazareth e tantos outros grupos notáveis, com todo o respeito pois, pra mim, a música é “reviver o feito, criando” e Beatles criaram e caminharam muito até chegar em Eleanor Rigby, Yesterday, Come Together, Because, Across the Universe etc. Vocês já tentaram imaginar os sucessos que eles conseguiram emplacar depois, em suas carreiras individuais, recebendo a participação de todos em vocais e arranjos? Já imaginaram Mother, Happy Christmas, Imagine, Stand by me, de Lennon, arranjadas e gravadas pelos Beatles? My Love, Mull of Kintyre, Another Day, Live and Let Die, de Paul? My Sweet Lord, Give me Love, de Harrison?!...
         Pra mim, arte é isso que eles fizeram, não se contentando com o sucesso fácil de repetições de fórmulas. Ao invés disso, foram honestos na procura de caminhos, concepções, inovações, ousadias, microfonias, efeitos e experimentos. Hoje em dia, inclusive no Brasil, o que mais se vê são cantores que se dizem autores de 500 músicas quando, na verdade, 480 delas são cópia de outras, deles próprios ou não. É esse um dos principais fatores que fazem a decadência criativa e intelectual da arte e, consequentemente, de pessoas a quem ela é imposta, que a consome por ser a única opção que lhes alcança os ouvidos dentro da própria casa ou trabalho.
         E é por isso que, tanto tempo depois, continuo vibrando com a história dos 4 rapazes de Liverpool. Por que a arte e a ciência são os faróis que guiam e conquistam a evolução da humanidade. A arte evolui. Beatles foram arte, caminharam.

domingo, 19 de julho de 2020

AS TEMPESTADES


                                                       AS TEMPESTADES
                                                           D. Arbués

        Estive pensando e tentando entender um certo fascínio que tenho pelas tempestades. Talvez isso tenha vindo das ocasiões de chuva forte, quando meu pai ou minha mãe mandava que entrássemos pra debaixo da grande mesa de refeições da família, que virava algo como um bunker, no meio da enorme sala de piso de tijolos assentados no centro da casa. Como éramos em muitos irmãos, essas ocasiões me davam uma sensação muito mais de cumplicidade, excitação e diversão do que de medo. Os clarões de raios e barulhos de trovões se misturavam às conversas que acabávamos inventando embaixo da mesa.
        Talvez isso tenha vindo das brincadeiras de soltar barquinhos de papel na enxurrada com os outros meninos quando a chuva terminava. Lembro-me de irmos seguindo os barquinhos, dentro da enxurrada, com sapatos de borracha que esguichavam a água turva, amarelada, pelos furinhos que tinham na parte de cima dos dedos. Era como se fosse um chuveiro pra cima. Divertido, mas deixava um odor terrível quando secava. 
        Talvez isso venha também dos banhos gelados que meu pai deixava que tomássemos na água da própria chuva, que ficava por um bom tempo escorrendo generosa na bica do telhado de casa, no finzinho de cada tormenta, tão logo cessassem os raios.
        A verdade é que, mais à frente, cheguei à conclusão de que a tempestade era uma senhora sisuda, mas justa, que igualava a todas as famílias, pobres, remediadas ou ricas, caindo sobre suas casas com a mesma intensidade, moderação ou fúria, sem exceção. Ela, volta e meia, vem lembrar-nos claramente da nossa pequeneza humana, diante do poder da natureza e do universo. Traz sinais e mensagens das forças e energias superiores.
        Por isso também, quero crer que esse certo fascínio nasceu da ingenuidade de um menino de família comum, mas que foi ensinado a conviver com as tempestades e a ver a natureza como aliada, desde que respeitada ou procurada na forma e momento certos.