Há pouco tempo postei um texto
sobre compartimentos mentais com o título de “A Tabuada de 12”, onde
“compartimento” foi o termo com o qual eu consegui expressar uma forma de
raciocínio integrado. Nessa mesma linha, lembrei-me de um dia curioso e de
descobertas que me aconteceu e passo a contar.
Anos
atrás, eu estava indo passar o carnaval em Gurupi - TO, a convite de amigos,
mas, em Goiânia, meu carro apresentou um problema de aquecimento. Demorei a
encontrar uma oficina aberta nos bairros periféricos, pois já era feriado. Após
examinar o carro, o mecânico me falou que não era um problema fácil, que
tentaria consertar com alguma forma alternativa na emergência e que isso
poderia demorar várias horas.
Tive
que me conformar e creio que tive muita sorte em achar aberto um
empório com lanches, bar e venda de coisas de muito uso popular no mesmo
quarteirão da oficina. Após me acomodar numa mesinha, comecei a pensar no que
poderia fazer para passar o tempo, afinal, eu só estava de passagem e nem havia
me hospedado em lugar algum. Como solução, comprei no empório um caderno, onde
comecei a anotar músicas das quais eu me lembrava de toda a letra.
Ao
final de umas 4 horas, estava com um repertório anotado com mais de 1.200 músicas, o que até a mim surpreendeu. Músicas de Roberto, Fagner, sambas,
serestas, caipiras, jovem guarda, regionais, românticas, de carnaval, além de
religiosas onde eu cantava muitas, principalmente as do Pe. Zezinho. Surpresa
maior ainda foi eu perceber que me lembrava não só das melodias e das letras,
mas, também, na maioria delas, das introduções e arranjos, recordando
individualmente das notas do baixo, da guitarra, orquestração, violões e outros
instrumentos que as compunham.
Justamente aqui chegamos ao ponto de
compartimentos musicais ao qual quero chegar e me referi no título desse texto.
A capacidade da mente humana pode
ser fantástica. Pensemos em Beethoven, que, mesmo tendo ficado surdo, compunha
magnificamente. Beethoven conseguia identificar notas pela vibração da
frequência delas em seu corpo. Mas, pensemos mais longe, depois de sentir, ele
tocava a nota no seu cérebro e, sendo assim, conseguia ouvi-la na imaginação.
Beethoven é um mestre, sumidade privilegiada como outros grandes nomes da
história da música. Mas, mesmo entre músicos simples e mortais, pode ser
possível de se observar prodígios da mente.
Obviamente,
a musicalidade tem dimensões bastante variáveis nos artistas como conjunções
genéticas, aptidões inatas e outros fatores. Sendo assim, só posso falar das
percepções que tenho e com as quais convivo desde muito. E, como ouso pensar
que isso possa soar interessante para muitos leitores, resolvi escrever sobre.
Quero
observar que, junto com as lembranças dos arranjos dos instrumentos ao fundo de
uma música, pode ser desenvolvida a capacidade de, praticamente, se ter uma
orquestra mental, virtual. Isso explica o fato de alguns conseguirem compor
músicas mesmo não estando com qualquer instrumento por perto. Isso se deve a
compartimentos da mente onde se pode ouvir virtualmente vários instrumentos ao
mesmo tempo, como se fossem camadas que você vai concebendo e sobrepondo uma à
outra. Eu, por exemplo, dentre outras, posso citar a música Gerânios, que
comecei a compor dentro de um ônibus na estrada. Na ocasião, felizmente, tive
como anotar as notas musicais num papel e pude termina-la quando cheguei em
casa (isso é muito facilitado hoje com a gravação no áudio do celular). Em
outras vezes, você acorda com a melodia na cabeça. Outras músicas, a gente
começa e elas vão nos conduzindo a caminhos inesperados que, realmente, parecem
até ser mesmo uma psicografia. A isso
tudo, se junta o estudo gramatical e de harmonia que, não é incomum, muitas
vezes também nos conduzem na composição, podendo abrir novas perspectivas no
tema melódico ou na letra da música.
Além
disso, existem coisas que a inteligência artificial está disponibilizando agora
mas, que, curiosamente, alguns já conseguiam fazer há muito tempo, pois, além
de se ouvir mentalmente os instrumentos, é possível se ouvir virtualmente músicas
de alguns cantores interpretadas por outros que, na realidade, nunca as
gravaram, principalmente os cantores que têm vozes marcantes e interpretações singulares, como Júlio Iglesias, Nat King Cole, Elvis, Belchior, Fagner,
Cauby, Alcione, Elba e Zé Ramalho, por exemplo. Essas vozes, dentre muitas,
são, digamos assim, mentalmente sampleáveis. Eu devo confessar que, vez ou
outra, não pude resistir a colocar Júlio Iglesias pra cantar Me dá um
dinheiro aí, Seu delegado Prenda o Tadeu e outras (rsrsrs), deixando umas
mais lentas e incrementando com um portunhol aqui ou ali!. Por sinal, dá de
se ouvir essas músicas nas vozes de cada um dos artistas que citei. Inclusive, vocês podem
tentar aí porque o resultado é muito divertido!
É claro que imaginamos belas
músicas também. Mas, pra esse texto, achei mais interessantes as coisas que
fazemos para o bom humor. Outra
capacidade que pode ter um ouvido musical apurado é que, se convivemos muito
com uma pessoa, dá para identificar o estado de espírito dela conforme as
frequências e a impostação que ela use na voz ou, ainda, saber por uma ligação
de celular se ela está num local aberto, fechado, em movimento ou não etc.
Enfim, os
compartimentos da mente podem nos dar privilégios, responsabilidades, mas
também podem nos divertir muito!
--
Ah, e quanto ao carnaval, acabei tendo que ir pra Gurupi de ônibus e o problema
do carro era um tal de selo de motor. O caderno, tenho até hoje!